Grupo Teatral Independente: um palco entre duas culturas
Fernanda Baukat
Esta
exposição e seu catálogo são resultados do projeto de pesquisa em
Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural aprovado no Edital do
Mecenato Subsidiado da Fundação Cultural de Curitiba e realizado com o
incentivo da CELEPAR.
O objetivo deste projeto foi o de recuperar e levar ao grande público a história, hoje praticamente desconhecida, do Grupo Teatral Independente (1948-1968)
através de suas imagens. São programas e fotos de espetáculos que foram
extraídos de seu espólio, atualmente em posse da família de Willi
Polewka, um dos diretores e criadores desse grupo curitibano de teatro
amador em língua alemã.
Meu
primeiro contato com o Grupo Teatral Independente foi em 2007, quando
ainda era estudante do curso de Letras Alemão-Português, na UFPR,
durante um trabalho de Iniciação Científica sobre teatro amador em
língua alemã no Sul do Brasil, sob orientação do professor Dr. Paulo
Soethe. A partir de então, o grupo despertou meu interesse e foi o foco
de minha pesquisa de mestrado, orientada pelo professor Dr. Walter Lima
Torres Neto, cujo resultado final foi a dissertação intitulada “Teatro
Amador em Língua Alemã: O Grupo Teatral Independente de Curitiba
(1948-1968)”, defendida em junho de 2012.
Durante
a pesquisa, percebi que o grupo teve sua existência marcada por dois
momentos históricos decisivos: primeiramente, o período do pós-Segunda
Guerra Mundial e pós-Estado Novo, que influenciaram sua criação e
primeiros anos de existência; em segundo lugar, o período da Ditadura
Militar no Brasil, a partir de 1964. A pesquisa do espólio, constituído
por programas, listas, reportagens de jornais e revistas, fotografias,
além de vasto material de correspondência, permitiu a reconstituição não
só da atuação do grupo, mas também do espaço cultural no qual
circulavam diferentes
discursos: sobre o teatro, sobre a situação política e histórica na
qual o grupo estava inserido e sobre a utilização da língua alemã em
suas representações. A língua alemã foi um dos fatores fundamentais de
manutenção ou construção de uma identidade para seus integrantes e seu
público.
A
configuração do Grupo Teatral Independente, mesmo tendo um perfil
artístico conservador, foi uma iniciativa ousada por se arriscar dentro
de seu contexto histórico. Seu surgimento, em 1948, proporcionou para a
sua comunidade a retomada da autoestima, já que esta encontrava-se
pulverizada e desiludida face às dificuldades impostas pelo Estado Novo
brasileiro[1] e pela herança cultural do nazismo e da Segunda Guerra Mundial.
A
Segunda Guerra Mundial foi um evento que assinalou um ápice no
desenvolvimento da tecnologia, industrialização e belicismo, que
marcaram sobremaneira os países envolvidos, tanto pelo avanço
tecnológico quanto pela devastação. A criação do Grupo Teatral
Independente vem ao encontro de uma proposta romântica de
“reencantamento” de sua realidade através do teatro, no qual esses
acontecimentos históricos recentes e devastadores para o orgulho e
autoestima dos imigrantes e descendentes de alemães são sublimados para
que a comunidade tenha a oportunidade de voltar a se reunir. Essa
reunião através do teatro é evidenciada pelo uso do idioma alemão no
palco e não necessariamente pela encenação de autores alemães.
É
importante ressaltar que existia uma rede de relações que sustentava as
montagens do grupo, que começava com o interesse de seus integrantes em
participar delas, conseguindo, por sua vez, através de seus contatos
com familiares ou amigos, ou mesmo no seu ambiente de trabalho, as
condições materiais necessárias para que suas atividades fossem
mantidas. Desta forma, destaca-se o propósito ideológico que o Grupo
Teatral Independente desenvolveu em troca desse apoio: a reabilitação da
cultura alemã no pós-guerra. Esse propósito não era explícito, mas
vinha suprir a necessidade de sua comunidade naquele momento histórico.
O
gênero escolhido para as apresentações é, em sua maioria, a comédia,
como forma de fugir de polêmicas e sem que haja o interesse em falar da
realidade da Alemanha, principalmente dos temas tabus: o nazismo e a
guerra.
Mesmo
que predominantemente o público-alvo do grupo fosse a comunidade alemã,
suas apresentações não eram restritas somente a ela. Havia sempre a
necessidade de encontrar teatros de grande visibilidade para as
apresentações, como no caso, em Curitiba, do recém-inaugurado Teatro
Guaíra e do Teatro da Reitoria (UFPR).
Considero
que a produção teatral está indissociável de seu público,
principalmente no caso específico do Grupo Teatral Independente. Esse
público, formado predominantemente por uma minoria composta por falantes
de língua alemã (simpatizantes da cultura alemã, imigrantes alemães e
seus descendentes), reflete os valores dessa comunidade, mais
conservadora. Nessa medida, as peças apresentadas vêm refletir a
autoimagem de seu público, com o intuito de concretizar a manutenção do
imaginário da Alemanha pelo grupo, como uma compensação simbólica pela
Alemanha destruída[2].
[1] As
formas de controle social nas comunidades heterogêneas, formadas por
imigrantes e descendentes, principalmente do Sul do país, eram efetuadas
sobretudo pelo controle do uso de línguas estrangeiras, que foi o
principal alvo da política nacionalizadora a partir de 1938, culminando
em 1941 com a proibição da utilização desses idiomas.
SILVEIRA, Fernanda L. Baukat. Teatro amador em língua alemã: o
Grupo Teatral Independente de Curitiba (1948-1968). 2012. 236f.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Paraná, Setor de
Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em Letras.
Defesa: Curitiba, 22/06/2012. Disponível em:
<http://hdl.handle.net/1884/28428>.
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O
Grupo Teatral Independente e o tropeirismo teatral
Walter Lima Torres Neto
CHAMRÁIEV: Pachka Tchádin!Hoje em dia não
há ninguém como ele. O teatro, Irina Nikoláievna,está
em decadência! Antes havia carvalhos
enormes,hoje só se veem tocos de árvore.
DORN: É verdade que são raros os talentos
excepcionais, mas em compensação
o nível do ator médio melhorou muito.
CHAMRÁIEV: Não concordo com o senhor.
Aliás, isso é uma questão de gosto.
“A Gaivota”. Ato I, A. Tchekov, 1896.
há ninguém como ele. O teatro, Irina Nikoláievna,está
em decadência! Antes havia carvalhos
enormes,hoje só se veem tocos de árvore.
DORN: É verdade que são raros os talentos
excepcionais, mas em compensação
o nível do ator médio melhorou muito.
CHAMRÁIEV: Não concordo com o senhor.
Aliás, isso é uma questão de gosto.
“A Gaivota”. Ato I, A. Tchekov, 1896.
Como sugerem as palavras do autor russo em epígrafe, pode-se deduzir que
a afinidade de alguém com a atividade teatral passa, necessariamente, pelo
desenvolvimento de um certo gosto. E esse gosto seria condicionado por um
conjunto de fatores sociais e valores culturais, cujas heranças e influências
são de diferentes categorias. A isso se poderia denominar de processo de
aquisição de uma cultura teatral.
Vivo em Curitiba desde 2004. Minha formação original foi como ator e
diretor de teatro, portanto, preparando-me para atuar na vida prática. Porém,
desde que cheguei, por força das circunstâncias, fui me dedicando cada vez mais
aos estudos teatrais. Como morador recém-chegado, eu me perguntava e me
pergunto ainda hoje o “porquê” da ausência de uma atividade teatral continuada,
com temporadas mais longas na cidade. Antes mesmo de aqui chegar, chamava-me a
atenção o número de excelentes atores e atrizes que a cidade e o estado
formavam, aliado ao número de grupos e coletivos teatrais que nasceram na capital.
Da mesma forma, parecia-me, aos olhos de quem vinha de fora, que Curitiba era
bastante generosa do ponto de vista do incentivo cultural às artes cênicas,
despontando como um exemplo para o resto do país. Essa generosidade se
destacava ainda por haver aqui talvez o maior festival de teatro do Brasil, de
cuja programação pude até participar na condição de ator, em uma montagem de “Henrique IV” de Pirandello,
integrando o elenco da Cia. Teatro do Pequeno Gesto, na edição de 2000.
O teatro é um fato da cultura e determinado por uma prática social
coletiva. Produtor de bens simbólicos, ele é uma atividade agregadora, que
reúne indivíduos e dissemina ideias, constituindo um veículo de ideologias. Na
sua dinâmica, o trabalho teatral primeiro atrai aqueles que querem dizer algo
coletivamente, ou expressar, cenicamente, suas inquietações sobre as pessoas e
o mundo. As formas para essa expressão são tão diversas quanto vários são os
coletivos teatrais dispostos ao esforço criativo. Somente num segundo instante,
quando colocam à prova suas criações, é que de fato esses agentes criativos
acabam angariando a simpatia de um público, contando com a sua aprovação ou
indiferença.
Atividade eminentemente pública, como se percebe, o teatro é uma
cerimônia social dependente da presença viva de outro coletivo, desta vez de
espectadores. Pouco importa se se trata de um teatro de matriz erudita ou
popular. Pouco importa ainda o rótulo, se de arte ou comercial. Assim, o
reconhecimento dessa prática simbólica é encontrado no público, na crítica, em
instituições e entre os próprios pares oriundos do mesmo grupo de agentes
criativos que animam as artes cênicas numa determinada sociedade. Entre
amadores e profissionais, a diferença básica está na dependência desse segundo
grupo de se manter da atividade que desempenha. E, para tanto, é preciso um
fluxo econômico para assegurar um ciclo de sobrevivência material.
Ninguém ignora que os três estados da região Sul de nosso país conheceram
bem de perto dois fatores no tocante às suas histórias e aos seus processos
culturais. O primeiro fator seria o tropeirismo. Graças à circulação de tropas
de animais transportando mercadorias ou no vai e vem de rebanhos “tocados”
pelos tropeiros, o comércio e o negócio da carne consolidaram rotas e
contribuíram para a fixação de certos núcleos populacionais, estimulando um
sedentarismo na região. Esses mesmos estados, cada qual ao seu tempo, foram aos
poucos integrando seus territórios, fixando suas fronteiras. As áreas mais
urbanizadas se conectaram às regiões mais rurais. O segundo fator também muito
conhecido dos três estados foi a imigração. Ao longo de diversas ondas,
distintas populações de várias etnias trouxeram sua maneira de ser, difundiram
seus hábitos, disseminaram seus falares e participaram, intensamente, do
processo de desenvolvimento e modernização do Brasil.
Esse foi o caso do Grupo Teatral Independente de Curitiba (1948-1968), ao longo dos
seus vinte anos. Durante as suas atividades teatrais amadoras, tendo a
dramaturgia alemã como carro-chefe de um lazer altamente elaborado, palco e
plateia celebraram num só rito simbólico a memória e a saudade da terra natal.
Ao mesmo tempo, graças à realidade material, artistas e público se deixavam
envolver por outros ritos sociais que acercavam a população de imigrantes e
seus descendentes da ideia de um novo país. Esse duplo exercício simbólico,
associado a uma prática teatral recorrente, destacou o trabalho do Independente na cidade de Curitiba,
projetando-o diante da comunidade alemã presente na região Sul.
Sobre a atividade teatral na primeira metade do século XX, mais
precisamente entre 1900 e 1930, antecedendo as atividades dos diversos
conjuntos de amadores como o Independente,
Marta Morais da Costa, em “Palcos e
Jornais”[1],
sinaliza uma intensa circulação de companhias brasileiras e estrangeiras, que
já visitavam naquela época a região do Rio da Prata, fazendo pouso em
Curitiba. Sobre as tábuas do velho Guaíra se viu desfilar, durante as primeiras
décadas do século XX, como nos informa a historiadora, as mais diversas
companhias, com grande variedade em termos de gênero e de aparato cênico.
Em minha opinião, no que aprendi com a pesquisa de Fernanda Baukat, o
papel desempenhado por grupos amadores como o Independente, em língua alemã, e tantos outros em outras línguas
estrangeiras e também em português, teria sido o de sistematizar e enraizar uma
atividade teatral mais duradoura na cidade. O teatro curitibano da segunda
metade do século XX é marcado por esse esforço, às vezes contraditório. Por
exemplo, quando da inauguração do Guairinha, Auditório Salvador de Ferrante, em
1954, o governo de Bento Munhoz da Rocha Netto convidou a Curitiba, para uma
série de apresentações, a consagrada companhia carioca de Dulcina de Moraes e
Odilon Azevedo. Nessa ocasião, o teatro, entendido como um produto da alta
cultura, estava fortemente associado à elite burguesa governante. Esse tipo de
decisão refletiria o gosto e a visão de teatro dessa mesma elite.
No primeiro mandato do
governo de Ney Braga, em 1963, foi criado o Teatro de Comédia do Paraná, o TCP,
companhia teatral de caráter público relativamente estável. Sua meta era
orientar e coordenar as atividades teatrais no Teatro Guaíra. Assim, entre 1963
e 1968, teve lugar a primeira fase da então recém-criada companhia. O esforço
promovido pelo poder público estadual tinha, a princípio, o objetivo de
garantir um processo de desenvolvimento e consolidação da atividade teatral
local. Entretanto, após essa primeira fase, tida como fundadora, a jovem
companhia se deparou com intempéries de toda ordem, sobretudo institucionais,
para o seu gerenciamento e sua manutenção.
Sobressai, portanto, que iniciativas, amadora como a do Grupo Teatral Independente ou
profissional como a do Teatro de Comédia do Paraná, estiveram na contramão do
tipo de pensamento que emana do tropeirismo teatral. Esses esforços,
dentre outros não citados aqui por um limite de espaço, objetivavam, cada um no
seu raio de ação, a fixação, o enraizamento e a sistematização de uma atividade
teatral mais duradoura, que deveria encontrar cada vez mais inserção no âmago
da sociedade local. Essas iniciativas se oporiam assim ao sistema de circulação
intensa e empréstimos provisórios oferecidos pelo tropeirismo.
O tropeirismo teatral se expandiu e ganhou novas faces. Ele se
encontra hoje integrado à paisagem cultural global. Apesar das críticas que em
parte lhe são feitas em tempos de globalização da cultura, o tropeirismo
se impôs como uma prática legitimada graças às suas novas estratégias e
alianças com as instituições culturais. Essa nova dinâmica visa à exploração de
uma expectativa dos diversos segmentos do público ainda interessado em teatro
ou nas artes cênicas. Público este que aguarda com avidez a passagem do próximo
tropel cultural, que satisfaz hoje, tanto quanto as iniciativas locais
de outrora, como o Grupo Teatral
Independente, foram capazes de satisfazer aos seus coletivos de
seguidores.
Walter Lima Torres é professor de Estudos Teatrais da UFPR
[1]
Curitiba: Editora da UFPR, 2009.
Palco
desconhecido, cenários plurais
Paulo Astor Soethe (UFPR)
O ano de 1824 marca o início da imigração alemã no
Brasil. Até 1953 – quando o último grupo organizado radicou-se no Paraná (eram
suábios do Danúbio) – chegou-se ao número de cerca de 350 mil imigrantes
“alemães” no país. Eram indivíduos e agrupamentos provenientes de diversas
regiões e grupos étnicos de língua alemã, e tão diversa quanto sua origem
étnica e geográfica dentro da Europa era também sua origem social, religiosa,
ideológica. Unia a todos o idioma, não obstante haver também aí a marca da
diversidade interna, já que grupos dialetais diferentes passaram a integrar o
mosaico cultural brasileiro, que ouvia soar em suas terras, além do
alto-alemão, a língua pomerana, os dialetos bávaro, badense, hunsrückiano...
Atualmente, estima-se que cerca de 6 milhões de brasileiros tenham ascendência
alemã.
O processo complexo e múltiplo da imigração repercute
ainda hoje na história de inúmeras famílias, e em seu modo de se relacionar com
a história; repercute nas formas de socialização de muitos brasileiros, no
delineamento de suas primeiras experiências de partilha da memória, em sua
relação com a diversidade étnica e cultural, e na constituição de suas práticas
e valores sociais e culturais. Nas figurações sociais de hoje, e também nas
estruturas que se materializaram em nosso dia a dia, ressoam os componentes
desse substrato decisivo para a constituição do entorno imediato em que
transitamos, agimos e interagimos.
Muitas de nossas grandes cidades (em especial do Sul
do Brasil, mas não só) foram moldadas em sua dimensão material e cultural pela
ação e interação de indivíduos ou agrupamentos de origem alemã. Cidades de
porte médio onde predomina essa população, como Santa Cruz do Sul e Joinville,
e cidades grandes já estabelecidas que acolheram a imigração ou a migração
interna desse povo e seus descendentes, como Curitiba ou Porto Alegre,
abrigavam no final do século XIX e em especial nas primeiras décadas do século
XX uma vida social e cultural urbana de língua alemã. A tolerância – e em
alguns casos até mesmo a simpatia – das autoridades brasileiras em relação à
cultura dos indivíduos de língua alemã possibilitou até 1937 a existência de
cerca de mil escolas e de uma imprensa nesse idioma, com cerca de 180
periódicos publicados regularmente, além da fundação de agremiações musicais,
esportivas – e também teatrais. Essas
instituições conformavam a vida social e cultural das cidades, e não só de seus
habitantes de fala alemã.
O Estado Novo pôs fim repentino a esse quadro quando
fez valer, a partir de 1938, leis de nacionalização que proibiam o uso de
idiomas estrangeiros em agremiações sociais de qualquer natureza e em
periódicos. As medidas recrudesceram a partir de 1942, quando o Brasil decidiu
sair de sua posição oscilante quanto às relações que mantinha com países do
Eixo e com os países Aliados e, diante da provável derrota da Alemanha nazista,
declarou-lhe guerra, para então se aproximar em definitivo dos Estados Unidos.
A necessidade do Estado brasileiro de compensar sua hesitação de antes e
afirmar a posição de inimigo da Alemanha diante do mundo teve desdobramentos
internos no trato da sociedade com a população de língua alemã, que se viu
hostilizada. A cena nazista no país, relativamente pequena em vista da
população total de origem alemã, serviu de pretexto para ações e práticas de
alcance geral. Mesmo expressões culturais que pouco ou nada tinham a ver com os
embates ideológicos relativos ao reordenamento político do Brasil no início dos
anos 1940 foram proibidas e então associadas, no espaço público altamente
controlado do Estado Novo, a uma presumida filiação ideológica ao nazismo.
Entre os cidadãos de origem alemã, o teatro foi uma
das atividades culturais mais notáveis desde fins do século XIX até o fim dos
anos 1930. Estima-se que em Curitiba, no fim da década de 1920, dentre a
população total da cidade, com 85.000 habitantes, 13.000 eram de origem alemã.
A cidade contava desde 1882 com atividades da associação teatral Thalia, e,
desde 1889, com um auditório destinado principalmente ao teatro de língua
alemã, o Teatro Hauer. A Sociedade Beneficente Rio Branco, fundada em 1884,
entre outros clubes alemães na cidade, também se destacou pelas funções
teatrais que integravam sua oferta aos sócios.
O teatro amador de língua alemã no Sul do Brasil
vinha constituindo um campo de pesquisa praticamente inexplorado. Por relatos
familiares, temos notícia da presença de grupos de Joinville que teriam se
apresentado também em Curitiba no final da década de 1920. A cena teatral alemã
naquela cidade catarinense talvez seja a melhor descrita até hoje, graças à
publicação de um breve estudo de Elly Herkenhoff, em 1989. O convívio de
diversos grupos e companhias em Joinville, com programação paralela e
concorrendo entre si pelo público, dá noção do papel do teatro, à época, para a
constituição da vida social e cultural de localidades hoje tão importantes. E o
intercâmbio entre as cenas culturais das diferentes cidades acrescenta ainda
outra dimensão à pesquisa que se possa desenvolver futuramente.
Neste momento, a sociedade organizada e o poder
público brasileiros discutem a estruturação e disponibilização de arquivos
culturais e históricos para a constituição e preservação da memória no país,
bem como o delineamento de políticas públicas e espaços sociais para o fomento
e integração de atividades da assim chamada “alta cultura” à vida da população.
Discutem-se, também, perspectivas de maior presença da língua alemã na oferta
da rede pública de ensino e, por consequência, na vida cultural da população em
geral.
Parece evidente que os estudos e a atividade cultural
realizados por Fernanda Baukat são parte de um movimento claro de
amadurecimento progressivo da cena cultural e acadêmica, no que diz respeito ao
resgate de informações sobre o passado enquanto gesto de inserção e intervenção
no presente. Imersa na ordem do dia, a exposição sobre o Grupo Teatral Independente vem cumprir em parte – e de modo muito
promissor – um anseio antigo, já expresso por ocasião da comemoração do
centenário de emancipação do Paraná, no conhecido estudo de Werner Aulich sobre
a presença alemã no estado. Depois de tecer comentário elogioso e relativamente
extenso ao GTI, Aulich afirmou que “a história do teatro alemão” em terras
brasileiras requer estudo aprofundado, “para o que teriam que ser levadas em
conta também as numerosas representações teatrais amadoristas nas colônias, que
muitas vezes se distinguiam por considerável valor artístico”.
A exposição a que se dedica este catálogo remete-nos
a tradições teatrais importantes no Brasil e no exterior. A atividade de Willi
Polewka e Frederico Wagner dialoga, por exemplo, com a de Otto Mazel, da
Companhia Alemã de Comédias, e a formação de Willi Polewka associa-o, entre
outros, ao grande ator alemão Gustaf Gründgens. O vetor que remete ao passado
liga-se a uma força que não encontra lá seu fim, mas persiste na projeção
futura em direção a debates e ações fundados em novos conhecimentos e em
possibilidades para o teatro no Brasil e para a presença da língua alemã no
país, marcada pela diversidade e abertura ao diálogo e à interação.
Indicações
bibliográficas
AULICH,
Werner. O Paraná e os alemães
[Paraná und die Deutschen]. Curitiba, 1953.
COSTA, Marta Morais da. Palcos e
jornais: representações do teatro em Curitiba entre 1900 e 1930. Curitiba:
Editora da UFPR, 2009.
HERKENHOFF, Elly. Joinville: nosso teatro amador (1858-1938). Joinville: Arquivo
Histórico, Fundação Cultural da Prefeitura de Joinville, 1989.
POHLE, Fritz. Emigrationstheater
in Südamerika abseits der Freien Deutschen Bühne, Buenos Aires. Hamburg: Hamburger
Arbeitsstelle für Deutsche Exilliteratur, 1989.
RAMOS, Eloisa Helena Capovilla da Luz. O teatro da sociabilidade: um estudo
dos clubes sociais como espaços de representação das elites alemãs e
teuto-brasileiras. São Leopoldo, 1850/1930. Tese (doutorado) – Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-graduação em História. Porto
Alegre, 2000.
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